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[O] O AMOR É MAIS FORTE QUE A MORTE?
[O] A fé cristã diz que sim. “Passamos da morte para a vida, porque o amor nasceu em nós. Aqueles que amam superam a morte” (1João 3.14). A morte tornou-se uma força poderosa, mais que nunca visível em nossos dias. No cotidiano de todos nós, em nossa sociedade, nação, famílias, comunidades, a morte é observada em seu poder destruidor da vida. Estamos situados existencialmente de modo a cumprirmos no palco da vida o papel que nos é entregue num drama do qual não se conhece o autor. Não há outro horizonte possível, quando se quer argumentar sobre a realidade biológica de todos os seres que nascem. A realidade da morte ofusca todo e qualquer argumento, enquanto estabelece a necessária seriedade sobre nosso destino. O enredo desse drama humano transcorre num cenário onde o desconhecido é o protagonista, enquanto os coadjuvantes vão recitando seus papeis, determinado por destinos e contingências. A cada momento, alguém inventa uma fala — um caco, como dizem no teatro –, mas retorna ao texto principal. Para que o drama, enfim, chegue ao “gran finale“.
[-] A figura da morte aparece em milhões de formas. Poetas falam da morte, cineastas do mesmo modo. Ingmar Bergman fez um filme extraordinário sobre o assunto. Os Sete Selos. O filme é baseado numa peça de teatro de autoria do diretor. Ambienta-se em um dos mais obscuros e apocalípticos períodos da Idade Média. A trama se passa na Europa, quando a peste negra ainda rondava a sociedade. Alerta para nosso tempo pós Covid-19. O protagonista, Antonius Block, encontra-se com a Morte e a desafia para uma partida de xadrez. O esforço de vencer a morte é inútil, revelado no momento em que Antonius, num esforço mal sucedido, espalha as peças do jogo no tabuleiro, mudando suas posições, quando a morte estava prestes a dar o xeque-mate. A morte diz: “não adianta, sei de cor as posições anteriores das peças”… Nas palavras do próprio Bergman, “a ideia e uso do Deus cristão como álibi, tem algo de destrutivo e terrivelmente perigoso. (Esse) Deus faz emergir um sentimento de risco iminente, e por consequência, traz à luz forças obscuras e destrutivas”. Pois, “a fé é uma aflição dolorosa; ter fé é chamar alguém na escuridão e não obter resposta”.
[-] Quando perdemos o caminho da vida que amávamos, a qual sufocamos, em suicídio espiritual; quando esquecemos a prática ou experiência de amor, compaixão e cuidado; quando não reagimos, expulsos, isolados ou exilados por razões religiosas ou ideológicas dos meios que instilam o ódio; quando o fastio, o enjoo, nos tomou; quando a negligência com o nosso próprio espírito dominou-nos, e nos deixamos ser tomados pela depressão, impostas pela pregação do moralismo e da suposta “reta doutrina” autoritária e fundamentalista que ensinam ódio nos púlpitos. Quando fomos indiferentes aos que impregnam consciências falando do mal irreversível, instilando e estimulando ao ódio. Quando nos entregamos à fraqueza e debilidade dos que desconhecem o amor, a misericórdia, a compaixão e a ternura, e sucumbimos no enfrentamento das pressões mortais de cada dia. E quando permitimos que nosso corpo, mente, alma, espírito, inteligência, afetividade, consciência e subconsciência, fossem substituídos pela imposição autoritária do ódio e do preconceito, como heranças ancestrais inevitáveis, sufocando sentimentos de misericórdia, compaixão, solidariedade e libertação.
[-] Falamos de amor enquanto enfrentamos a morte, e quando nosso ser inteiro foi convidado a se contrapor à raiva, ao ódio, ao ressentimento, à ganância, à violência, à pulsão de matar, de destruir, de castigar, de impor o sofrimento. O amor fala do ser inteiro convidado a libertar-se da violência, da crueldade, do egoísmo, da hostilidade ao diferente, da vingança, da retaliação, e de todas as pulsões mortais contra o semelhante. O amor é tudo que nos diferencia do culto da morte, para o qual somos chamados na cultura autoritária do fundamentalismo evangélico. O amor nos impulsiona na busca da liberdade do ser para abraçar a vida plena.
[-] Sobre a realidade da morte, porém, nem é preciso tanta imaginação. A história recente nos mostrou a II Guerra Mundial e seus horrores. A atomização do nazismo, e sua influência que hoje ressurge com Bolsonaro. Também permitiu a ascensão do totalitarismo, e a memória de agentes da morte como Hitler, Mussolini e Stalin. Todos com características do autoritarismo fundamentalista. Fanfarrões bem-sucedidos em mobilizar o fanatismo das massas. Especialmente o holocausto de seis milhões de judeus desde Aushwitz. O que se falou sobre a banalidade do Mal se superpõe à banalidade da Morte. A morte de refugiados no Mediterrâneo, e a recusa de governos da União Europeia em recebê-los, devolvendo-os para a morte ou o impossível lugar de origem, evidenciam o poder da morte. A acomodação à mesma se repete sob um conceito de naturalização que aparece também nas epidemias da Aids, do Ebola, e agora o Coronavírus.
[-] Porém, o texto bíblico nos remete ao antídoto para o corpo na finitude e mortalidade inevitável, sujeito à morte no cotidiano. “Quem não ama permanece na morte” (1João 3,14). Anteriormente, João já invocara as figuras de Abel e Caim. Ódio entre irmãos, o estranhamento quanto às exigências de tolerância e fraternidade, e respeito à vida aqui obscurecido. Ali transparecem os rancores sociais, raciais; os preconceitos, a negação da justiça e de direitos individuais fundamentais de homens e mulheres, o ódio contra o diferente, contra o que foi determinado na Criação. Desrespeito à convivência fraterna, onde a solidariedade deve imperar. Deus, contudo, condena o agressor, o violento. Caim viverá sob pressão para o resto de sua vida, apontado por seu delito, e por sua culpa voluntária. Sua face recebe a marca que o identificará como responsável pelo sangue derramado no fratricídio, por ser autor da violência contra o semelhante. Caim somos nós, responsabilizados por conivência com holocaustos, extermínios, banhos de sangue em revoluções civis, milícias fascistas, enquanto acompanhamos o chamamento à quebra da quarentena durante a pandemia do coronavírus.
[ -] O texto joanino começa e termina com o tema do amor fraterno e defesa da vida. Indissoluvelmente ligado ao tema da fé e do amor de Jesus Cristo, Filho de Deus. Dos casos extremos de oposição ao amor de Deus, os casos de homicídio se ligam e explicam sob o ódio ao semelhante, a intolerância, o desrespeito à vida quando concordamos com a explosão da contaminação da pandemia, eliminando milhares de pessoas. O amor conduz à valorização da vida. O distanciamento social preserva a vida. O ódio produz a morte. Porém, o amor de Deus não permite confusões, como a vingança e retaliação. É o amor de Deus que infunde o amor ao próximo, o semelhante. O ódio é uma forma de homicídio induzido. Contamina a coletividade. Quem odeia mata. Chegamos ao ponto.
[-]O amor é tudo que nos diferencia do culto da morte, para o qual somos chamados na cultura autoritária do fundamentalismo evangélico. O amor nos impulsiona na busca da liberdade do ser para abraçar a vida plena.
[Pastor Derval Dasilio]
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Um pensamento em “O AMOR É MAIS FORTE QUE A MORTE…

  1. ANTECEDENTES DO TEXTO – O AMOR É MAIS FORTE QUE A MORTE?
    A fé cristã diz que sim. “Passamos da morte para a vida, porque o amor nasceu em nós. Aqueles que amam superam a morte” (1João 3.14). A morte tornou-se uma força poderosa, mais que nunca visível em nossos dias. No cotidiano de todos nós, em nossa sociedade, nação, famílias, comunidades, a morte é observada em seu poder destruidor da vida. A morte comprova o fim das coisas, das pessoas, de tudo que nasce. A morte torna visíveis os limites para tudo que tem existência. Ao mesmo tempo, a morte nega a possibilidade de permanência, enquanto estabelece a finitude. Esquecemos que somos finitos e negamos os abismos que nos cercam, inutilmente. Julgamos ser possível controlar seus efeitos no cotidiano; que seu poder atormentador sobre a vida possa ser evitado. Mas, a morte é um poder que se sobrepõe aos nossos esforços. Ela está dentro e acima da vida, disse meu teólogo preferido.
    Destino da vida e morte são meios pelos quais a afirmação de vida e existência, a natureza do ser, é continuamente ameaçada pelo não-ser, não-existir, não-viver. Nossa espectativa sobre o destino de tudo que nasce, e da morte, são questões universais que perpassam a filosofia, a religião, e mesmo as histórias que se contam desde tempos ancestrais, ou recentes. Como nos contos maravilhosos de Guimarâes Rosa (Sagarana),que iria morrer no momento em que a fama do sobrenome Guimarães Rosa superasse a existência do indivíduo João. Ainda que estivesse relutante, amigos e familiares diziam que ele se preparava para o desenlace fatal. “Há um jeito, sábio e amoroso, de revolver na mão a terra da gleba arada; de tocaiar as toupeiras, que alongam o morrete de suas galerias pelos canteiros da horta; de armar engenhosos espantalhos para defesa da semeadura, estacando manipanços ou pendurando um pintarroxo morto, que se balança ao vento e escarmenta os demais pintarroxos atrevidos”.
    E não poucas vezes dos púlpitos que insistem na imortalidade da alma, no inferno para os que não aderem à sua pregação, senão na condenação eterna, esquecendo do juízo sobre si mesmos. Aí, nem se cogita, não há paradoxos nem sofismas que possam argumentar satisfatoriamente sobre este assunto, pois existencialmente há uma certeza em consideração. Que não pode ser refutada a não ser com sutilezas doutrinais sem fundamento sustentável diante da realidade. Símbolos internos e externos, espírito conformado e ritos solenes diante da realidade do corpo do qual escapou a vida, mostram que a ansiedade básica tem que ser enfrentada e superada. Sem saída.

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