Home

 

PREPARANDO O CAMINHO DA LIBERTAÇÃO
Malaquias 3,1-4: Meu mensageiro vai preparar o meu caminho / Filipenses 1,3-11: Que vosso amor cresça cada dia mais / Lucas 1,68-79; 3,1-6: Preparai o caminho do Senhor

joão batista 1

Claude Labrunie, pastor e teólogo, perguntava: “Sabemos o que é a salvação? Trata-se de uma pergunta que devemos fazer a partir do reconhecimento de nossas (in)fidelidades quanto ao projeto de Deus (pistis/fides/emunah=fé/fidelidade), considerando se o primeiro sentido não é a “esperança de salvar-nos por nós mesmos…”. Porque somos os maiores adversários do projeto de Deus.

Na vida religiosa, porém, retorna-se à Idade Média, com seus infernos, purgatórios, limbos, na espera do paraíso. Formulou-se a concepção cristã da vida para os “salvos” por indulgências, vida consagrada, santidade, avivamento espiritual, aqui na terra. Não como uma vida livre de erros e pecados, mas uma vida que, pelo batismo e pelo compromisso eclesiástico, saía-se vitorioso do inferno, do purgatório, do limbo, dos inevitáveis fracassos, castigos e conquistas na vida terrena. Alcançará um lugar no céu, o paraíso, quem faz esforço mais decidido no sentido de purgar a alma pela piedade folhetinesca, lacrimosa; pelo cerceamento dos desejos do corpo, pela santificação, pela penitência, buscando-se o afastamento antecipado do terror da morte e do inferno além túmulo.

A perdição é o horror, a repugnância de pertencer-se ao coro dos condenados. É a insuportável angústia do inferno, onde alguns dos sentenciados ao fogo eterno por um deus implacável, e sem qualquer piedade ou misericórdia com o pecador, ainda têm a oportunidade de redimir-se pela abstração e conversão religiosa.

Só depois perguntaríamos: Jesus veio para nos salvar por quê?, de quê?, para quê? Respostas no Evangelho apontariam: “porque somos egoístas, não-solidários; não temos compaixão pelo próximo”, confirma o teólogo Claude Labrunie. E mais, que somos inconscientes sobre a identidade da opressão em nós e nos outros; que não entendemos que a salvação indica o “sim” solidário de Deus. Precisamos de Deus para todo homem e toda mulher. Paulo Freire já lembrava: “ninguém é libertado sozinho”! Podemos acrescentar: ninguém se liberta se não é libertado por Deus. Nenhum conceito de salvação exclui a intervenção concreta da parte de Deus.

Eleição e salvação não se dissociam. Não fomos escolhidos por nós mesmos, nem decidimos sobre a nossa salvação. É Deus que vem a nós e nos chama para seu convívio, dizia Karl Barth. Jesus Cristo vem aos homens e mulheres por serem escravos e submissos a ideologias e sistemas de pensar que escondem e justificam a opressão espiritual, política, econômica, cultural, em todos os sentidos em toda parte onde está a humanidade. Nem por isso seriamos absolvidos previamente por obras, feitos humanos. Em razão de sermos todos humanamente fracos, interesseiros, gananciosos e narcisistas em busca de santidade, resta-nos a compaixão de Deus pelos pecadores. O salmista intuía : “O Senhor sabe que foste feito do pó” (Salmo 103).

As perguntas sobre a salvação (soteria), biblicamente, são distantes do imaginário medieval fundamentalista. Este nega a Graça incondicional de Deus. Emerge do texto (Lc 2,11), e diz respeito ao papel intermediador de Jesus, que receberia o título de Salvador (soter), cuja vida e missão apontam tão somente para o reinado libertário de Deus, destinado a todo homem e toda mulher que sofrem as opressões das injustiças e das desigualdades; das imposições religiosas e ideológicas; da escravidão dos sistemas econômico-sociais que estabelecem e cultivam as desigualdades entre povos e raças; entre indivíduos de uma mesma sociedade. Aqui se respondem questões fundamentais do evangelho bíblico.

O evangelho religioso fundamentalista insiste sobre uma “salvação espiritual da alma; salvação do inferno; salvação da perdição eterna”, uma especulação tardia, não relacionada ao Evangelho, gerada na desconfiança da Gratuidade divina, da misericórdia e da eleição de Deus. Essa desconfiança resulta na falsa consciência de pecado e condenação eterna. Porém, Deus não espera pela decisão dos homens, para salvá-los.

Ai da humanidade se disso dependesse, pois o homem já fez suas escolhas, distanciando-se do projeto inicial de Deus. A salvação, assim, vem de Deus pela palavra de Jesus, o Salvador. E o salmista já anunciara: “a misericórdia do Senhor dura para sempre” (Salmo 136). E de que nos salva?, senão da injustiça, das desigualdades, das opressões de toda ordem – internas, espirituais, ideológicas. Opressões externas, religiosas, econômicas, políticas – sejam elas quais forem.

O conceito bíblico de salvação sempre se refere a um perigo grave que ameaça a vida. Mas o significado religioso não é igual ao significado teológico, no mais das vezes. A Bíblia Hebraica é peremptória quando afirma que não há salvação que não venha de Deus (Is 26,18; 46,6-7). Redenção e salvação têm equivalência simbólica, e nesse caso as libertações concretas de cativeiros políticos, econômicos, religiosos, equivalem às libertações ideológicas, espirituais, culturais (Sl,130,8; Jr 31,11; Jó 19,23-26; Pr 23,10-11). Jesus derrama seu sangue para a redenção de todos, no ápice de sua entrega à causa libertária do Reino de Deus, negada sob julgamento político-religioso.

Nossas indagações sobre a salvação terão o foco na declaração de Jesus sobre seu próprio ministério, missão e oferta de serviço aos homens, tema gerador dos elementos teológicos que orientam as demandas do Reino de Deus, até agora impropriamente deslocado para o além, para um mundo espiritual interior sujeito a um mundo dantesco e medieval:

“O Espírito do Senhor está sobre mim, eis que me consagrou pela unção a apresentar a notícia nova aos pobres; enviou-me para publicar a libertação dos cativos [aos determinismos fatalistas] e aos cegos a recuperação da visão [sobre o sofrimento dos oprimidos], para restituir a liberdade aos cativos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” [Lc 4,16ss / Is 61,1ss: Ano Sabático; Jubileu: justiça social, remissão, alforria, libertação de contratos injustos, perdão das dívidas; cf. Deut 15,1-18; Is 61 1ss.].

É concreto o mundo onde Jesus anuncia sua missão de salvação. Que significa, então, o caráter universal da salvação, como pré-anunciada no Evangelho, inspirado em Isaías, sobre o termo “todo” (todo vale, todo monte e colina, todo homem – mesmo quando a versão grega diga “toda carne”) (Lc 3,1-6)?  Haendel compreendeu tal coisa, de maneira extraordinária, no Messias, como expressa na ária que cantamos na juventude: “Every valley shall be exalted”.  Devemos compreender que Deus age para a salvação e transformação do mundo. O Advento, em sua espiritualidade libertadora, fala de coisas importantes que poderiam ser pensadas neste tempo: vigilância e conversão. Todos podemos ver a salvação que vem de Deus.

Lucas nos lembra quão maravilhosa é a promessa do Reino de Deus, encarnada em Jesus. Esse trono recebe um nome simbólico: Reino de Paz com Justiça. Porque não há paz onde há fome e desigualdades; onde impera a corrupção, a violência e a injustiça. É como dizer que a Salvação é juízo e tem nome, e procede do coração misericordioso de Deus para todos os homens e mulheres da terra. O texto copiado de Isaías anuncia o Evangelho: “Vou enviar um mensageiro para preparar o meu caminho”. Eis a mensagem da Natividade, segundo as Escrituras.

Derval Dasilio

Um pensamento em “ADVENTO – SEGUNDO DOMINGO [ANO “C”]

Deixe um comentário