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[AFINAL, A GRAÇA NOS ALCANÇOU] – Podes me perguntar sobre a Graça, segundo a fé. Mas não perguntes sobre a graça condicionada segundo a doutrina religiosa, que é um tema divergente da concepção espiritual transcendente exposta no evangelho. Podemos dizer que a Graça nos alcançou quando as religiões nos afogavam em incertezas, sob doutrinas condicionadas ao mérito, e precisávamos de perdão; quando nos achávamos mergulhados no sofrimento, na dor da consciência oprimida, ou presos ao desassossego e desespero; quando andávamos pelo vale escuro de uma vida vazia e carente de sentido, sentindo a separação e o distanciamento da realidade, por alienação convicta; quando a consciência da responsabilidade com o próximo era rasa; quando nos desviamos do oprimido bem diante de nossos olhos, negando solidariedade ao sofredor, ao discriminado pelos preconceitos, ao atingido pela violência e injustiça, pela doença, pelo frio e pela fome. Quando não reagimos diante da destruição da natureza, do meio ambiente, do armamentismo e incentivo à guerra do irmão contra o irmão.

[2] =Quando sacrificávamos formas de viver a alegria e a beleza, na convivência com outras pessoas; quando desprezávamos o prazer da grande música, da contemplação das artes, do cinema, por imposição da moral ignorante e ambígua; quando renegávamos a alegria  dos esportes de massa, das viagens, da beleza na contemplação das paisagens maravilhosas próximas de nós; quando abandonávamos o lazer contemplativo junto à natureza. Quando não reagimos ao ódio religioso ou ideológico, ao autoritarismo e suas falsidades, juntamente com suas doutrinas cruéis do pecado e punição; quando nos submetemos à doutrina da salvação individual através de algum mérito. Quando aceitamos ser bloqueados pela impiedade religiosa num mundo sem solidariedade e sem compaixão.

[3] Quando perdemos o caminho da vida livre que amávamos, a qual sufocamos em suicídio espiritual; quando dominou-nos o fastio, o enjoo, a negligência com o nosso próprio espírito, e nos deixamos ser tomados pela depressão, pela imposição da pregação do moralismo e da discutível “reta doutrina”; quando esquecemos a prática da experiência do amor, da compaixão, do cuidado e solidariedade; quando não reagimos, e aceitamos ser expulsos, isolados ou exilados, por razões do ódio religioso ou ideológico, quando mergulhamos na indiferença, aceitando a pregação dos que impregnam consciências falando do mal como irreversível, que o “mal é também um bem, em determinadas situações”. Quando nos entregamos à fraqueza e debilidade, desconhecendo a força do amor, da misericórdia, da compaixão, da solidariedade e da ternura; quando desistimos de enfrentar o opressor que dissemina a violência e ódio ao semelhante e à humanidade.

[4] Quando desanimamos diante da violência ao nosso redor, do armamentismo, da mentira forjada contra a liberdade, violência contra os mais fracos e seus direitos, porque julgados como improdutivos ou insignificantes. Quando não encaramos a verdade, e nos escondemos no obscurantismo que estabelece a mentira como verdade. Quando nos juntamos e justificamos a hostilidade para com os demais seres humanos, diferentes, impondo-lhes o preconceito, a exclusão, a fome e a miséria; quando intolerantes perdemos a direção da ética do cuidado, e adotamos a meritocracia e o supremacismo social, racial, sexual. Quando nos faltou julgamento justo em situações complexas de abuso e violência contra o pobre, contra a mulher em busca de direitos e liberdade, contra o diferente sexualmente, contra o discriminado pela cor da pele. Quando perdemos a capacidade de arrependimento e redirecionamento, aceitando a superioridade e uns contra os outros, aprovando e compartilhamos a desigualdade em todos as suas formas. Quando nos faltou serenidade diante da verdade, não reconhecendo a igualdade de direitos de todos em quaisquer condições humanas. Quando nos omitimos, mas devíamos nos manifestar contra os absurdos de um mundo sem misericórdia, interessando-nos e seguindo a pregação do ódio.

[5] Quando fracassamos em algum projeto de vida, ou quando nos tornamos intoleráveis a nós mesmos; quando antigas compulsões, medos, vícios, passaram a nos dominar, como dominaram nosso passado ancestral, através da brutalidade, da barbárie, que impunha a violência da escravidão e a exclusão dos fracos e vulneráveis como naturais; quando permitimos que o desespero destruísse a alegria e inteireza do nosso espírito, e quando nos acomodamos, e deixamos que nosso ser fosse desmanchado em fragmentos irrecuperáveis. Quando permitimos que nosso corpo, espírito, inteligência, alma, afetividade, consciência, fossem substituídos pela inconsciência sobre os melhores valores alcançados pela humanidade, na imposição autoritária do supremacismo, das violências do ódio e do preconceito; quando demos lugar a heranças da barbárie ancestral, sufocando sentimentos de humanidade; sufocando impulsos de misericórdia e compaixão, de solidariedade e busca de libertação.

[A] A Graça alcançou-nos, quando nosso ser inteiro foi convidado a  ressurgir da raiva, do ódio, do preconceito, do ressentimento, da ganância, da agressividade, da pulsão de matar e destruir, de castigar, de impor o sofrimento ao semelhante, justificando e naturalizando o sofrimento diante da fome, da miséria e da escravidão. A Graça alcançou-nos quando nosso ser inteiro foi convidado a  libertar-se da impiedade, da crueldade, do egoísmo, da hostilização ao semelhante no após ano. Quando a sonhada perfeição de vida não se realizou — porque ser impossível –, e nos entregamos à frustração.

[B] A Graça nos alcançou quando reconhecemos a onda de luz irrompendo em nossa escuridão, juntamente com uma Voz que nos chamava, convencendo-nos: “Foste alcançado pela Graça, tu és aceito pelo Ser que é maior que tu, e cujo Nome ignoraste. Não perguntes seu Nome agora. Talvez só mais tarde entenderás. Não tentes fazer nada em retribuição, agora. Espera pela inspiração do Espírito… Mais tarde farás muito além do que imaginas ser capaz, para também levar aos demais a compreensão dessa Graça sem preço, do Perdão e da Reconciliação com Deus. Entenderás a vida sob a misericórdia, compaixão e solidariedade com o semelhante aflito, sob sofrimento e opressão, além da tua própria angústia e das tuas dúvidas. Não busques fazer nada, agora. Aceita a imersão nas profundezas do amor, na oferta compartilhada da Graça e do perdão da parte de Deus. Não realizes nada, não comeces nada para justificar a iluminação que recebeste. Não precisas de nenhum mérito para alcançar a Graça e estendê-la no mundo que te cerca. Simplesmente, aceita o fato de que és aceito, tal como és, e tal como estás. Foste alcaançado pelo amor de Deus”.

NESTE NATAL … Mais que tudo, a Natalidade do Senhor Jesus, o Filho de Deus, livra-nos do julgamento e predomínio e brutalidade instrumental da pregação que estabelece méritos e condições para recebermos o amor de Deus, impondo a covardia, o recuo sobre a afirmação mais importante da fé cristã. Que é a gratuidade incondicional do amor de Deus em Jesus Criusto. Maravilhosa Graça, donde emana a misericórdia para conosco e todos os homens e mulheres, tal como somos e tal qual estamos. Humanos e falíveis. Deus se fez um de nós e habitou conosco por Amor. Amor que resulta no chamado à vida de fé no Salvador, de onde vem a Graça, a compaixão, a solidariedade, o cuidado e a ternura partilhada com o semelhante que sofre. Em Cristo, Deus nos justifica e perdoa por puro amor, segundo o testemunho do Evangelho.“O Senhor sabe do pó que és feito…”, disse o poeta do salmo 103. Outro salmista também se pronunciou: “Louvai ao Senhor, porque ele é bom, e a sua misericórdia dura para sempre” (Salmo 106). Ao reafirmar, com Paulo o Apóstolo, que, “se Deus nos absolve, quem poderá nos condenar?”. Quem pode arrogar-se fiscal dos atos salvíficos de Deus?. “Nada poderá nos separar do amor de Deus manifesto em Cristo: tribulação, medo, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, ameaça de morte”. Por fim, removido o falso obstáculo para a nossa aceitação por Deus, na pessoa do menino nascido com o nome Jesus de Nazaré, estamos aptos para viver a Natalidade do Senhor à luz do Evangelho, sem temer as restrições, venham de onde vierem. Grande é o mistério da Fé! Aleluia, o menino Deus nasceu e habitou entre nós..
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Um pensamento em “AFINAL, FOMOS ALCANÇADOS PELA GRAÇA

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