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Na parede da memória está a religião de nossa infância, que nossas mães ensinaram enquanto liam a Bíblia para nós. A religião do amor ao próximo, ao oprimido, ao semelhante em aflição permanente, religião de compaixão, de misericórdia, de cuidado e solidariedade. O apóstolo Tiago lembrara: “A religião que Deus nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: ‘cuidar dos órfãos e das viúvas’ (os abandonados, desprezados, discriminados), em suas dificuldades de sobreviver e não se deixar corromper pelo mundo (dos pregadores do ódio ao semelhante, dos gananciosos, oportunistas, exploradores da miséria)” (NT – Tiago 1,21). O quadro terrível ao nosso redor é a religião que perdeu a significação essencial do amor e da compaixão substituída pela religião do ódio do irmão contra o irmão, seja ele quem for, embora se diga “cristã”.

Sim, perguntamos porque vemos o contrário do que gostaríamos de ver. Religião e igrejas transformadas em balcões de negócios, tendo nos púlpitos a pregação da ira, do ódio ao semelhante, da guerra de irmãos contra irmãos, em troca de apoios a políticos entregues a paixões inferiores, banalizando o mal enquanto se aproveitam da credulidade de gente que acredita estar servindo a Deus, quando servem ao Diabo. São pregadores da religião que nos impedem de viver e sonhar que o amor e a solidariedade são uma coisa boa.

Melhor que sonhar, o canto da esperança do retorno à fé original é mais forte que os pronunciamentos do ódio. Por isso, é preciso cuidado com os pregadores do ódio, há perigo nos templos e nas mensagens que recebemos subliminarmente nas redes sociais. Como disse Belchior, há perigo na esquina, embora haja um lugar de culto ao ódio em cada uma das quebradas da cidade. Eles querem nos vencer, fechando o farol para os abraços ao irmão que sofre o abandono, calar as vozes do amor. Pois, na gratuidade do amor de Deus vemos vir vindo no vento o cheiro da nova estação, a primavera de um mundo novo possível, sem males nem dores (Apocalipse 21,1-4 “Então vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra já não existiam, e o mar também não mais existia. E vi a cidade santa, a nova capitalda religião com Cristo, que descia do céu, da parte de Deus, como uma noiva belamente vestida para seu marido. Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: ‘Vejam, o tabernáculo de Deus está no meio de seu povo! Deus habitará com eles, e eles serão seu povo. O próprio Deus estará com eles. Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. Todas essas coisas passaram para sempre'” (Apocalipse 21,1-4). Porém, esses pregadores pretendem manter abertas as feridas vivas da intolerância, do preconceito, do ódio do irmão contra o irmão.

NOTA: A Carta de Tiago é mensagem tipicamente base formativa da religiãocristã, como os Evangelhos. Reduz toda a Lei judaico-religiosa ao mandamento do amor ao próximo (1,25; 2,8-12). Pode-se dizer que é explicitação das exigências desse mandamento em diversas circunstâncias: igualdade entre homens e mulheres, trabalhadores e empregadores, bem-postos e pobres (2,1-4), destaque do cuidado com os pobres e miseráveis (2,5-7), amor ativo na compaixão e na solidariedade com os desfavorecidos e desprotegidos (2,14-17). Esse é o amor que condena a exploração da pobreza, enquanto cuida dos pobres e miseráveis. Na Carta de Tiago encontramos a mais violenta passagem do Novo Testamento contra o lucro e a riqueza, a economia financeira que não produz emprego, bem-estar, alimentos, moradia digna, assistência à saúde (5,1-6). A fé cristã, aqui, é vista como dinamismo que produz responsabilidade social, ação e que só é aceitável em sua maturidade quando se expressa em atos concretos de compaixão, de misericórdia e solidariedade (2,20-26), lembrando a luta de Richard Shaull, que sigo desde os primeiros estudos teológicos, no movimento teológico Igreja e Sociedade.

Tiago fala da fé e da religião que rejeitam a religiosidade de oportunidade, gananciosa, egoísta, exclusivista, individualista e intimista (1,26-27). Da mesma forma, a verdadeira sabedoria se expressa pela conduta (3,13-16). Tiago rejeita a consagrada separações entre “dimensão vertical”, espiritual, e a “dimensão horizontal” da vida religiosa à parte, omissa, indiferente, a qual ignora o testemunho concreto da vida em Cristo: “do mesmo modo que o corpo sem o espírito é cadáver, assim também a fé: sem as obras concretas ela é uma fé defunta” (2,26). E são estas as obras concretas citadas paralelamente no contexto de Mateus 25,35-36: “dar de comer ao faminto e vestir o nu, cuidar dos enfermos, ser solidária com as vítimas da injustiça”. Aqueles a quem são negados direitos fundamentais, em contraste com privilégios econômicos concedidos naturalmente aos bem-postos de uma sociedade (cf. ONU: Carta Universal dos Direitos do Homem). Amém.

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