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VI DEUS FACE A FACE, PEGUEI A VIOLA…

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luta interior (1)A bênção de Deus, alvo para todo empreendimento de fé, é alcançada ao raiar do dia, depois da noite tenebrosa, após a luta, a oração perseverante para que Deus se revele e participe das lutas humanas, pelos direitos, pela dignidade, em favor de todos. Não podemos ser felizes se os outros são infelizes.  Jacó, depois da luta noturna, como na canção de Rolando Boldrin: “Amanheceu, peguei a viola e fui viajar”…  lutas em  situações de risco, de desproteção, falta de garantias sobre direitos fundamentais; lutas contra a morte, pela liberdade e contra a opressão, onde quer que o homem esteja.  Jacó é o símbolo bíblico do homem que busca a Deus enquanto se empenha nas grandes lutas por um mundo novo. A terra sem males nem dores do Apocalipse bíblico.
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O homem deve sempre voltar-se para a solidão com Deus, sugere o texto (Gênesis 32,22-31 –  Vi Deus face a face), e lutar de novo; deve insistir em nova escuta do nome de Deus no meio da luta, como quem procura um personal training, forçando-o a revelar-se com instruções estratégicas. Atualizando seguidamente o nome que se pronuncia, limpamente, os desgastes são evitados (como o abuso dos nomes de Deus no teísmo corroído da fé evangélica iluminista, patrimonialista, racionalizada, empírica, prática). Então, Deus se pronuncia no mistério abscondito, lugar oculto ao entendimento humano. Abençoa e se recolhe ao mistério calando-se novamente.
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Jacó ouve a palavra, depois de ter sentido aquele com o qual teve contato, e que já se deixou descobrir presencialmente.  É frequente no folclore de todas as culturas que o raiar da aurora quebre o encanto, ou deixe impotente o personagem sobre-humano. De nome mudado para Israel, Jacó chama aquele lugar de “Fanu-El” (onde se pode ver o rosto de Deus), dizendo: “Vi Deus face a face e sobrevivi!”. Grande é o mistério da fé, dirá a liturgia reformada que reconhece “a presença real do Senhor” na mesa da comunhão (Calvino). O sol despontava quando ele atravessava Fanuel (Gn32,32).
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Billy Grahan, dizia que falava com Deus todos os dias, pessoalmente. Depois, ia aconselhar Nixon a exterminar vietnamitas comunistas. Mais tarde, como orientador espiritual do presidente Bush, ensinava, em nome de Deus, sobre as intervenções no Afeganistão e Iraque. Os resultados desses equívocos são por demais conhecidos, na história recente. Nos tempos antigos, nas culturas mais remotas, a luta pode tomar características legendárias: deuses tomam identidades humanas; heróis mitológicos têm proporções físicas e forças sobre-humanas; um deus que luta com um homem está limitado ao tempo das trevas, e quando o homem vence, usando de artimanhas, arranca-lhe uma concessão. Um favor. Com exigências religiosas – antes que épicas, talvez à semelhança deste relato bíblico –, é Deus quem dobra o homem. Embora se permita ficar retido pelo homem.Temporariamente.
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Deus mesmo provoca, chamando à luta, à tenacidade, à busca incessante mesmo que insatisfeita. É Deus que desafia o homem, para abençoá-lo no final. O personagem é um “ish” (homem, indivíduo), que mesmo na obscuridade, luta em full-contact com Deus. Desse embate o peregrino se dirige rumo à “sua terra prometida”. E o “homem” sai mancando, ferido, mas de pé. A utopia do novo mundo mapeia seu caminho.
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A oração de Jacó indica a percepção dos novos tempos, e seu alcance para o enfrentamento dos grandes problemas da sociedade hipermoderna, ilha cercada por um oceano de misérias e paradoxos existenciais. Ao mesmo tempo, a ausência de profundidade para avaliar o espaço interior onde tramitam as utopias e esperanças de humanização e dignidade da vida, tomam a mente do religioso entregue à ganância ensinada pelos condutores da massa religiosa. Estes, embora pretendendo falar em nome de Deus, são os arautos da intolerância num mundo sem misericórdia.
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Derval Dasilio
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18o. DOMINGO DO TEMPO COMUM [DEPOIS DE PENTECOSTES – ANO “A”]

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Um pensamento em “VI DEUS FACE A FACE, PEGUEI A VIOLA…

  1. 18o.DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO “A”
    Gênesis 32,22-31 – Vi Deus face a face
    Salmo 17,1-7 e 15 – Ouve, Senhor, a causa justa…
    Romanos 9,1-5 – Herança para a inclusão de todos
    Mateus 14, 13-21 – Todos comeram e ficaram satisfeitos

    Uma idéia se levanta desse recorte, na história da formação judaísta primitiva: os projetos humanos não têm força suficiente, em si mesmos. É preciso lutar com Deus, e desse embate marcas profundas resultarão (Gênesis 32,22-31). Este é um relato de suma importância, ao mesmo tempo decisivo. Antes de tudo, denuncia que Jacó vive num mundo politeísta, e seu Deus, Bet-El, é o Deus daquele lugar. No entanto, arrisca-se num ato valente, no terreno dominado pelo irmão Esaú, seu adversário (panim). A luta com Deus é impressionante (Os 12,31: “Deus em pessoa, um anjo…”), em tons misteriosos, Jacó vence, mas sai com marcas profundas. A mistura dos textos “javista” e “elohista” traz dificuldades na identificação do nome de Deus. Mas sabemos que El é o nome mais importante entre os deuses cananitas, desde Abraão, nos lugares frequentados pelos patriarcas. Sempre trazem identificação prévia, esses deuses. No relato da travessia do Jaboq (32,29), Deus é reconhecido entre os nomes do Deus de Israel, tão somente. E não entre as divindades do mundo pagão.

    Perguntam-se mutuamente pelo nome, os dois personagens. Mas Deus recusa-se a dar o seu, que é o modo de resguardar seu próprio mistério (Yahweh, “sou o que sou”, para Moisés; mas, para Jacó é El-Shaddai, “Deus que conduziu os patriarcas”; no entanto, os profetas deuteronômicos conheciam-no como há-elohim, “Deus único”). Deus acaba por conceder a bênção a Jacó. Vários nomes vão sendo explicados: Jaboc combina com Jacó e com ye´abeq=lutar; Israel=lutar com Deus; Fanuel=rosto de Deus. A luta atravessa a noite e avança pela aurora. É dia, ao final do combate (Shöekel). O sentido geral é de mistério, um encontro secreto, como os de Moisés e de Elias (Ex 33,34; 1Rs 19). Desse modo, o autor quer demonstrar que Deus estaria se revelando enquanto também se esconde, ao mesmo tempo.

    1. – Nos tempos antigos, nas culturas mais remotas, a luta pode tomar características legendárias: deuses tomam identidades humanas; heróis mitológicos têm proporções físicas e forças sobre-humanas; um deus que luta com um homem está limitado ao tempo das trevas, e quando o homem vence, usando de artimanhas, arranca-lhe uma concessão. Um favor. Com exigências religiosas – antes que épicas, talvez à semelhança deste relato bíblico –, é Deus quem dobra o homem. Embora se permita ficar retido pelo homem. Deus mesmo provoca, chamando à luta, à tenacidade, à busca incessante mesmo que insatisfeita. É Deus que desafia o homem, para abençoá-lo no final. O personagem é um “ish” (homem, indivíduo), que mesmo na obscuridade, luta em full-contact com Deus. Desse embate o peregrino se dirige rumo à “sua terra prometida”. E o “homem” sai mancando, ferido, mas de pé. A utopia do novo mundo mapeia seu caminho.

    O homem deve sempre voltar-se para a solidão com Deus, sugere o texto, e lutar de novo; deve insistir em nova escuta do nome de Deus no meio da luta, como quem procura um personal training, forçando-o a revelar-se com instruções estratégicas. Atualizando seguidamente o nome que se pronuncia, limpamente, os desgastes são evitados (como o abuso dos nomes de Deus no teísmo corroído da fé evangélica iluminista, propositista, racionalizada, empírica, prática). Então, Deus se pronuncia no mistério abscondito, lugar oculto ao entendimento humano. Abençoa e se recolhe ao mistério calando-se novamente.

    Jacó ouve a palavra, depois de ter sentido aquele com o qual teve contato, e que já se deixou descobrir presencialmente.

    É freqüente no folclore de todas as culturas que o raiar da aurora quebre o encanto, ou deixe impotente o personagem sobre-humano. De nome mudado para Israel, Jacó chama aquele lugar de “Fanu-El” (onde se pode ver o rosto de Deus), dizendo: “Vi Deus face a face e sobrevivi!”. Grande é o mistério da fé, dirá a liturgia reformada que reconhece “a presença real do Senhor” na mesa da comunhão (Calvino). O sol despontava quando ele atravessava Fanuel (Gn32,32).

    A bênção de Deus, alvo para todo empreendimento de fé, é alcançada ao raiar do dia, depois da noite tenebrosa, após a luta para que Deus se revele, e participe das lutas humanas, pelos direitos, pela dignidade, em favor do bem-estar para todos. Como na canção: “Amanheceu, peguei a viola e fui viajar”… lutas em situações de risco, de desproteção, faltando de garantias; lutas contra a morte, pela liberdade e contra a opressão, onde quer que o homem esteja. Jacó é o símbolo bíblico do homem que busca a Deus enquanto se empenha nas grandes lutas por um mundo novo. A terra sem males nem dores do Apocalipse.

    2. – A CEIA DO SENHOR – PRESENÇA DE DEUS

    A celebração eucarística da Igreja primitiva é uma das fontes de inspiração do Reino de Deus (Mateus 14,13-21). Junto a ela, outra fonte mais direta é o relato da multiplicação dos pães de Eliseu (2Rs 4,42-44). Este último texto fala do homem que traz pães ao profeta; que recebe a ordem de alimentar numerosas pessoas. Mesmo sabendo da impossibilidade de cumprir tal ordem, “distribui os pães aos gentios”. Mateus anota que depois da comida “sobrou” alimento. Há, por conseguinte, uma insistência em mostrar a “retirada” de Jesus do meio da multidão, que aparecerá novamente em outro lugar (15,21;16,4), semelhante ao distanciamento dos Magos com respeito a Herodes (Mt 2,12). Esta atitude está ligada ao desprezo da multidão e de Herodes pela atividade profética de Jesus e de João Batista. Por isso, com as parábolas, concluiu-se o ensinamento para este auditório que é cego e surdo, Jesus se afastou dali (v.13). A multiplicação está inserida numa série de acontecimentos que manifestam o amor de Deus que triunfa sobre todas as lutas e dificuldades. Daí o apelo do profeta do exílio, Dêutero Isaías, que convida a buscar em Deus bebida e alimento (Is 55,1-3).

    O fato de que Deus ofereça o seu amor em forma de comida levará o evangelista a sublinhar o aspecto eucarístico do episódio. Por outra parte, o v. 19b (“ergueu os olhos para o céu e pronunciou a benção… partiu os pães, e os deu aos discípulos”) equipara este acontecimento através das fórmulas utilizadas para a consagração eucarística do pão (cf. Mt 26,20). Esta assimilação explica o fato de não terem aparecido peixes ao longo do relato. Mateus põe em evidência a função dos discípulos nesta primeira multiplicação. Bem mais ativos que nos textos paralelos dos demais evangelistas, eles falam a Jesus da situação da multidão (v. 15), e recebem a ordem de alimentá-la (v. 16), e de se transformarem em mediadores privilegiados do pão que Jesus destinou ao povo (v. 19c). Neste percurso, Jesus deve vencer a resistência dos seus. O evangelista afirma que eles buscam a solução do problema recorrendo ao costume comercial da época. Pensando na forma na crença utilitarista, que só se pode satisfazer as necessidades humanas a partir da atividade de mercado, comercializando-se a fé. Hoje, um pensamento bem comum nas igrejas evangélicas e católicas.

    Neste “comprar”, Jesus aponta um novo caminho. Com a bênção sobre o pão, Jesus foge da esfera em que se situam as leis da oferta e da procura. Pronunciando esta ação de graças Jesus coloca o pão em relação direta com o Criador, como expressão de seu amor. O ato de repartir significa colocar-se nesse âmbito de generosidade divina, único meio para saciar a necessidade e a fome de Israel, significado pelo número doze dos cestos que sobraram. Com o número de cinco mil para indicar os que foram saciados se alude às comunidades proféticas de Eliseu (2Rs 2,7), constituídas por cinqüenta homens. São multiplicadas por cem, aqui, para indicar um número ilimitado. Como ocorre na pergunta de Pedro sobre o perdão (perdoar setenta vezes sete, infinitamente…).

    Partilhar o pão é fruto da ação do Espírito. Faz o homem e a mulher amadurecerem no seio da comunidade. Dessa forma, a comunidade cristã é convidada a buscar a plenitude humana, bem além das ofertas que se fazem no circuito da igreja de mercado. Trata-se de constituir comunidades centradas na partilha, que encontram sua expressão na mesa da comunhão eucarística. A Ceia do Senhor. Esta deve readquirir seu sentido primitivo: a ceia é do Senhor, e não a santa ceia da Igreja. Esta, uma ceia doutrinária, e excludente. Na ceia do Senhor, inclusiva, a recepção do pão, originado no amor de Deus por sua criatura por meio dos discípulos, deve chegar à multidão faminta do pão da igualdade e da justiça: Jesus. Os seguidores de Jesus devem sentir-se profundamente comprometidos nesta tarefa: “Cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças” foram servidos. Mas este versículo (21) ressoa como uma bordoada nos defensores da teologia feminista: mulheres e crianças não são relacionadas para a comunhão do pão. A forma androcêntrica de narrar é excludente, senão discriminadora.

    Como interpretar este fato? É palavra de Deus na instrução da eucaristia? O sexo masculino realmente vem em primeiro lugar no Reino dos Céus, considerando-se quem celebra e quem comunga na mesa da Ceia do Senhor? Uma oração de instrução no Partir do Pão faz-se necessária. Por todos os que padecem das fomes de inclusão e de justiça; desde os homens e as mulheres envolvidos nas lutas contra a morte, pela liberdade e contra a opressão, do corpo e das massas, onde quer que haja oprimidos, excluídos e carentes de dignidade.

    Uma súplica para os milhões de homens e mulheres que não têm, sequer, um pedaço de pão para comer, quanto mais justiça e dignidade, direito à igualdade nos bens sociais. E uma exortação aos cristãos e cristãs que, por omissão deliberada, ou insensibilidade, negam-se a revisar a discriminação de gênero, na linguagem eclesiástica habitual, que falam da Ceia da igreja exclusiva (Santa Ceia?), sem considerar mulheres, nos ministérios, e crianças comensais; e diferentes, por raça, cor ou opção sexual, incluídos pelo Senhor como componentes do infinito número de discriminados, oprimidos, esmagados, entre os “cinco mil”. À multidão, descrita pelo evangelista Mateus, não foi negado o pão da comunhão.
    Derval Dasilio

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