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Sob uma atualização necessária, pensando num livro muito divulgado entre evangélicos, “Em seus passos que faria Jesus”, que eu, adolescente batizado numa Igreja Batista, li com emoção quase 70 anos atrás. Imaginemos, hoje, Jesus em nossos passso, morador de rua, vivendo entre as “cracolândias”, tendo que escolher uma área mais adequada à sua necessidade, morando numa barraca de papelão, como milhares nas imediações do centro histórico de São Paulo. Mas Jesus poderia ter optado para viver na Barra Funda, Higienópolis, Campos Elíseos, sob o Elevado Costa e Silva, no cardápio perverso das piores concentrações de pobreza em São Paulo. Lugares merecedores de atenção como as gigantescas favelas da Capital constantemente atacadas pela polícia que mata e depois pergunta sobre se matou um inocente ou um bandido do crime organizado. O tripé evangélico pentecostal política contra direitos fundamentais, prosperidade, ataque à justiça constitucional, ruiria se houvesse qualquer cuidado quanto a aspectos da morte que ronda a todos os brasileiros, pobres ou ricos.

[] Drogadismo farmacológico, alcoolismo, jogo compulsivo, câncer, epidemias, pneumonias, alergias, viroses, hipertensão, compõem o imenso repertório das doenças a que estamos sujeitos, antes da morte biológica. São enfermidade que, inadequadamente, recebem julgamento moral, na sociedade e nas igrejas. Mesmo não sendo pobre dos dias atuais, miserável, excluída, enferma, a pessoa tem que enfrentar uma fila imensa na porta dos laboratórios e clínicas especializadas encaminhadas pelos planos de saúde caros, ou pelo SUS. Deve estar pronta para consumir remédios caros, submeter-se a aparelhos de raios-x, endoscopia, colonoscopia, transplantes, quimioterapias, cirurgias, antes do fim fisiológico irreversível.

[] Os modelos religiosos, evangélicos ou outros, básicos de vida moral não são suficientes para fazer-nos esquecer dos desfavorecidos, desprotegidos quanto a políticas públicas para a saúde. Nosso tempo, refletindo a falta de cuidado com o pobre, com a criança, o jovem, o idoso desprotegidos política e juridicamente, também demonstra falta de indignação e reivindicação do cuidado obrigatório, igual para a sociedade por inteiro. Sem exclusão. A pobreza extrema, contudo, é o carnegão social em qualquer das cidades de nosso país.

[] Numa leitura atualizada de Mateus 25 (35-40): “Onde te vimos, Senhor? Me vistes quando estava nu, com frio, e me vestistes, quando tive sede e fome e me destes de beber e comer, quando me prenderam injustamente e me visitastes na prisão, quando estrangeiro, refugiado, me acolhestes, estava doente e levastes socorro médico e remédios. Ali estava eu. Tudo que fizestes aos pequenos desprotegidos, insignificantes, a mim fizestes). Jesus, hoje, estaria entre os pobres, andrajosos, sedentos, famintos, presos amontoados numa cela de prisão, refugiados sob bombardeio e mísseis que destruíram suas cidades.

[] Jesus se identificaria com a gente comum que habita as periferias das metrópoles, sem os caríssimos planos de saúde, sem previdência, distante dos grupos privilegiados pela saúde melhor assistida, nem daqueles que dispõem das tecnologias de ponta no tratamento da saúde. Jesus comporia a maioria desprotegida, sem vez e sem voz, que não se insurge contra os privilegiados, propriamente. No saneamento básico, habitação, vacinação frequente e persistente para o combate às endemias, higiene pública, acesso a diagnósticos de doenças tratáveis, alcoolismo, diabetes, entre as muitas enfermidades elencadas nas urbes do nosso tempo, poderíamos perguntar se Jesus reclamaria também igualdade nos tratamentos de saúde… Porque bem-postos sempre merecem a preferência nas políticas públicas.

[] O discurso moral de Mateus sobre as tentação de Jesus (4,1-13) fala de uma luta dentro do ser existencial, religioso ou não religioso, contra a a natureza escravizada pelas crenças comuns, contra a liberdade da fé, contra direitos fundamentais da humanidade (alimento, moradia, trabalho, etc.), num embate mortal entre o egoísmo e a generosidade, o instinto de sobrevivência e o dever para com o plano libertador de Deus para a humanidade. Nesse texto de Mateus Jesus interroga seus seguidores sobre o que assimilaram até ali. Momento de perplexidade e desatenção. Quem duvida? Os demônios, sob camuflagens diabólicas, fantasias carnavalescas do povo crédulo, estão ao redor de todos nós. Fantasias que permanecem na internet, nas redes sociais, nas ruas e nas igrejas, na roupagem moderna dentro e fora de nós. Porque o mal está presente na vida humana com visibilidade praticamente insuperável. Nem precisamos abrir as janelas de nossas casas para ver. Não levando em conta as crendices do imaginário popular religioso, acrescentando a religiosidade à custa de Lúcifer e suas legiões, não há exorcismo que possa livrar nossos corpos e mentes humanas de ações demoníacas cada vez mais frequentes, embora arrotemos modernidade, crítica racional aos mitos em quase tudo que falamos. Jesus enfrentou esses demônios, o Mal, cara a cara, e nós somos convidados a segui-lo. É preciso…

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